domingo, 14 de março de 2010

Portas



Jay. Quando eu o conheci ele estava saindo de casa com um livro de ciências sociais e seu celular preto no bolso esquerdo de sua calça jeans preferida. Estava com uma blusa azul que significava que queria ter um bom dia, Jay acreditava da influência das cores em nossas decisões. Mas eu não sabia disso naquele momento. Apenas o observei, com o cabelo se mexendo devagar, como se estivesse embaixo de um lago, cada vez que a brisa que vinha do norte o rodeava. Isso hoje parece mais fantasioso do que quando eu nem sabia seu nome, nem o número de seus sapatos, só sabia que ele tinha alguma influência sobre mim.
E então, Jay me abandonou. Não completamente, ele ainda mora na casa da rua 69 com a 30 e continua a freqüentar o último ano do colégio, ele não foi embora. Só me deixou na chuva. Sozinha. Acho que seria melhor se ele tivesse ido embora, eu não o veria, seria bem mais fácil esquecer o jeito como você anda apressado quando está nervoso, e em como a sua camiseta vermelha ainda cola em seu braço esquerdo sempre que você pressiona os dedos contra a palma da mão.
E como Jay não me deixava esquece-lo, eu resolvi deixa-lo sozinho com suas manias de colóquios e o seu jeito de comer sanduíches. Eu o abandonei, mas não totalmente. Eu não lembro mais do ângulo do nariz dele e nem qual é o exato tom de castanho que seus olhos penetrantes tem, como eu costumava saber. Parece que as memórias de momentos, de você concreto foram decompostas como as folhas de inverno caídas na terra, com o tempo. E tudo o que me resta são as sensações.
As malditas e intrigantes sensações. Elas sempre pregam peças sobre mim. Andando pela rua quando vejo um pouquinho de Jay em algum lugar, elas parecem gritar em desarmonia, como crianças lutando contra o sono, todas ao mesmo tempo. E quando elas gritam meu corpo pára. O sangue coagula, a respiração prende na garganta e qualquer movimento parece ser fatal. Mas aos poucos elas se acalmam e eu posso voltar a respirar. Nunca é o Jay. Mas elas sempre acham que é. E quando eu tento explicar que ele ficou pra trás como desenhos animados elas não me escutam, sério. Sempre contestam:
- Você as vezes vê desenho animado, lembra de uma frase, de um personagem. Doroty, você não os esqueceu. - E dessa vez, eu não escuto.
Nem a natureza ajuda nesse abismo, ela sempre o encurta cada vez que eu coloco mais dois passos de distância. O vento me traz o barulho regular de sua respiração; os pássaros cantam parte de sua melodia; o mar traz de volta todas as coisas que relacionavam você a mim. Todas pessoas carregam algo de você pra mim, um simples chacoalhar de cabeça que pareceu muito com o seu naquele dia de dificuldades.
Há um lado esquerdo de mim que se recusa a acreditar em todas as outras pessoas, ele só quer acreditar em tudo que já me aconteceu. Nada de destino, impulso, erro. As pessoas mentem, nos fazem sofrer, e temos que aprender a deixa-las para trás. Jay é uma dessas coisas. Coisas boas podem ser nutridas, mas com uma certa distância que é para não cair no erro de se entregar mais uma vez. Me recuso ouvir o lado direito, esse me parece mais certo.
O último bilhete que tinha para te entregar ainda está conservado entre o velho livro de histórias que eu lia no dia em que choveu e eu vi sua camiseta preta com pequenos pingos nos ombros e seu rosto parecia se desmanchar com a intensidade da chuva como papel, eu não pude resgatar nada. Nem de nós e nem de você. Ficou perdido Jay, confuso. Um pingo me acertou o braço e o outro minha nuca enquanto olhava o trabalho das gotas na calçada. Meu objetivo estava tão próximo que nem me preocupei em mais nada a não ser com a próxima esquina.
Bati na porta já limpando os pés, com uma intimidade que não soube explicar da onde veio. O cheiro de arroz, tortas e um perfume de mulher inundavam a chuva daquela tarde de quarta-feira. Em algum lugar por ali alguém se apaixonava e outro chorava pela morte de alguém querido. Eu deveria estar em algum outro lugar, fazendo alguma coisa que certamente outra pessoa estaria fazendo também, mas não estava. Jay também deveria estar em outro lugar, mas eu também sabia que não estava. O barulho da porta velha ecoou na varanda, e um sorriso divertido brincava no rosto de Jay.
- Posso entrar? - Disse Doroty envergonhada
Construí amigos, enfrentei derrotas, venci obstáculos, bati na porta da vida e disse-lhe: Não tenho medo de vivê-la. (Augusto Curi)

13 comentários:

Natália Mota disse...

ai gatinha que perfeito *-* fala sério, vocês precisam me emprestar um pouquinho dessa inspiração. ame gatinha, parabéns *-*

Natália Mota disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
bells disse...

Giovanna Diva, Já disse que esse texto é perfeito tipo mesmo, mas sakas, que seus textos ultimamentes mexem tanto comigo que chega me dá inveja. Gio diva sempre <3

lovelaris disse...

ai gatinha que perfeito *-* [2] Giovanna Diva [2] meeu, eu amo seus textos.. vs sabe né *-* muuuutio bom, preciso de inspiração velho.. me passa um pouco ? -q te amo amiga s2 parabéns !

Deborah disse...

Olá.
Seus textos são sempre profundos, e eu gostei muito desse em especial.
Gostaria muito de ter inspiração assim. *-*
beijos

Anônimo disse...

Meu Deus, que lindo *-*
Nossa, n sei o que falar... me tocou fundo esse texto *------------*
Muito obrigada pelo carinho com o meu blog querida

O seu é muuito lindo, adoro vir aqui *-*

Beijos ;*

Maísa Guimarães disse...

ja vin aqui algumas vezes , antes de criar o meu , gosto daki , passa no meu , criei agora ta humilde por enquanto mas passa (: beijoo e parabéns !

Diana disse...

Que texto lindo. Dá até pra sentir a chuva e a solidão da Doroty.

Emi disse...

Adoreei!
Romântico e ao mesmo tempo com um leve toque de humor! Arrasou!
Beeijos! ;*

Zélia Bromélia disse...

ma-ra-vi-lho-so.
você escreve incrivelmente bem.
adorei os detalhes, deixaram o texto ainda mais gostoso de ler.

Anônimo disse...

"Construí amigos, enfrentei derrotas, venci obstáculos, bati na porta da vida e disse-lhe: Não tenho medo de vivê-la". Palavras que não precisam de comentários, é simplismente pereita.
Você sabe o quanto amo seus textos néh? E eu amo esse nome Jay *-*'
beijos :*

Deborah disse...

*-*

Ju Fuzetto disse...

Lindo demais!!

obrigada por sua presença em meu cantinho, adoro suas visitas!!!

Tenha uma feliz Páscoa!!!

Vc é iluminada!!!

beijocas